20050429

29042005a

Ela disse
ninguém quer acreditar
e você é igual a todo mundo
só eu não te vejo assim
e não acredito também
que eu quis você

e sei
se ela sorri
sem saber
ele sabe
porque

20050427

27042005B

Ao quarto
cálice
o vinho
vira
veneno
em minhas
veias..
27042005A

Aliás, jamais aprovaram aquilo que não sai da boca dos conselheiros de hoje em dia, o “gozar dos benefícios do tempo”, preferindo tirar proveito de suas próprias virtude e prudência: sabiam que o tempo tudo arrasta consigo e que, assim, ele pode trazer o bem como o mal, o mal como o bem.

O Príncipe
(Nicolau Maquiavel)

20050426

26042005C

Depois de a algum tempo te perder
não consigo te ver
como o ser
que me quis tanto ser
mas não fui capaz de entender

ao amar-te
esqueci-me
que em morte
vim amar
os que devem morrer

excitado
extirpei-me da sorte
e selei meu amor por você

cale a boca
eu vim te proteger
não me enxergue
qu'eu não quero te ver
se aos teus olhos não sou só você
no escuro dos meus
vou me esconder

rima pobre
por nada dizer
não mais falo
por não merecer
rima podre
que vai aquecer
no futuro
do meu apodrecer
26042005B

Ela é a minha natureza
que fugiu de controle
a tempestade
que uns dias sou ela
e outros tantos ninguém
é o tchau que se confunde ao te amo

o medo de que você acorde
e eu não possa dizer
nunca mais...
você vai
me perder

é a minha personalidade
condensada
em pinceladas de um só ser

e serei
eu
teu

presente

é tudo o que eu quero te dar
e ainda assim
de ti
não quer me receber

e só
26042005A

Volta..
volta..
a vida está dando muitas voltas
assim como o teto
o chão
e o espelho
às minhas costas
doem
pesadelos
hoje eu falei tantas verdades
claro que nem todas que acredite
mas o hoje me parece tão distante
não me irrite
faz muito tempo que eu não durmo
faz tempo que eu não durmo o bastante
acordo e me esqueço o que passou
o que eu não fiz
se fui feliz
o que sou

não quero mais acordar com essa cara de choro
não quero, não quero, não quero, eu imploro
não quero mais acordar ao teu lado
sem amor
sem paixão
sem tesão pra começar outra vez
quero um banho gelado talvez
uma cerveja quente
ou três
mas não necessariamente
nessa ordem
podre
pobre

20050421

21042005a

Coincidência ou não, o alquimista me disse que o sangue dos invejosos estava mais gasto e descolorido que o sangue dos não invejosos. Foi a partir dessa descoberta que o Frei feiticeiro escreveu um tratado sobre a inveja, revelando que todo o processo era detonado primeiro pelos olhos. Os cegos têm menos inveja que nós que enxergamos tudo, pode reparar, me dizia. É na córnea que está o código. Uns nascem com ele, outros não. A imagem do que vai ser invejado é captada no buraco do olho que é a pupila, caminha até o código que provoca a inveja, podem ocorrer pequenas ou grandes descargas de adrenalina no corpo e aí aumentam os batimentos cardíacos e, conseqüentemente, o volume de sangue que corre nas veias do invejoso.
Os estragos encontrados pelo alquimista no sangue dos que cobiçam demais a felicidade alheia podem ser decorrentes dessa tempestade que se instala no rio vermelho que carregamos dentro da gente, toda vez que a fábrica da inveja é ativada. Ele escreve no tratado que esses temporais microscópicos quando se tornam constantes adiantam o envelhecimento. Relata os nomes dos monges que tinham olhos ruins e que serviram de cobaias para a pesquisa dizendo que muito antes de completarem 40 anos já aparentavam 60. E o que achei mais impressionante, depois de passar uma vida inteira produzindo inveja, essas pessoas acabam tendo as mesmas feições, as mesmas expressões faciais; a inveja as deixa semelhantes, como fazem as síndromes mais raras com os seus portadores. Identificar essa gente não é difícil. O frei relata que os invejosos são escravos daquele código que acredita existir na córnea. Eles não têm controle sobre os próprios olhos e este é o ponto fraco. Não conseguem disfarçar. O código comanda e a inveja imediatamente é cristalizada em olhares, atitudes, palavras, maldade...

Eny e o grande bordel brasileiro
(Luscius de Mello)

20050418

18042005a

Sozinho,
sem ninguém
nem fome
com um copo
almocei
dedicadas,
delicadas,
dedilhadas
notas de um negro piano
me embriaguei de melodia
na dúvida de mais um dia
viver por ti,
sem ti.

20050417

17042005a

Magdalena cavalgou a manhã inteira e mais uma vez não resistiu. Fez o caminho dos ciganos. Passou por algumas aldeias e soube se livrar das gracinhas e da corte dos rapazes nômades com diplomacia. Uma menina com lenço vermelho na cabeça e um brinco de argola dourada pediu para ler a mão. Magdalena desceu do cavalo e desafiou a criança que não tinha mais do que dez anos. As ciganinhas já nascem sabendo enganar as pessoas?, perguntou num tom de deboche. A sua mão é feia, disse a menina. Você não é mulher. Você é a inveja! Assustada a pequena cigana soltou o braço da cliente e saiu correndo.

Eny e o grande bordel brasileiro
(Luscius de Mello)

20050416

16042005b

Olhando para esse desolado cenário, lá estava, no quarto dia de maio do ano de 1847, um viajante solitário. Tal era o seu aspecto que bem poderia ter sido o gênio ou o demônio daquela região. Quem o observasse acharia difícil dizer se estava mais perto dos quarenta ou dos sessenta anos. O rosto era esquálido e descarnado; a pele escura, parecendo pergaminho, repuxava-se-lhe nos ossos salientes; os seus compridos cabelos castanhos, bem como a barba, estavam estriados de branco; os olhos no fundo das órbitas, ardiam num brilho anormal, ao passo que a mão aferrada à carabina apenas tinha um pouco mas de carne que a de um esqueleto. Apoiava-se à arma para manter-se em pé, mas a sua elevada estatura e o arcabouço maciço denotavam uma constituição vigorosa. No entanto, o rosto emaciado, e as roupas, que de tão folgadas lhe pendiam frouxas sobre os membros mirrados, proclamavam o motivo da sua aparência senil e decrépita. O homem estava morrendo – morrendo de fome e de sede.
Tinha-se arrastado penosamente pelo barranco, e prosseguira até aquela pequena elevação, na vã esperança de avistar algum sinal de água. Agora a imensa planície salitrosa estendia-se diante dos seus olhos, delimitada por uma remota cadeia de montanhas inóspitas, sem um traço sequer de vegetação que indicasse a presença de umidade. Em toda aquela vasta paisagem não havia um laivo de esperança. Para norte e leste, para oeste, ele voltou os olhos perquiridores e esbugalhados, e então compreendeu que a sua jornada sem rumo tinha chegado ao fim, que ali, sobre aquele penhasco desnudo, ele ia morrer. “E porque não aqui, em vez de num leito de plumas, há vinte anos?”, resmungou ele consigo, sentando-se ao abrigo de uma lapa.
Antes de sentar-se, tinha deposto no chão a sua carabina inútil, e também um volumoso fardo envolto num xale cinzento, que carregava pendente do ombro direito. Parecia muito pesado para as suas forças, tanto que ao descê-lo não pôde evitar que batesse no chão com certa violência. Imediatamente rompeu da trouxa cinzenta um ligeiro gemido, e dela surgiu um rostinho assustado, de olhos castanhos e brilhantes, seguidos de dois minúsculos punhos sardentos.
- Você me machucou – disse numa voz infantil, em tom de reprovação.
- Machuquei? – fez o homem, penitenciando-se. – Não foi por gosto.
Assim falando, abriu o xale e descobriu uma graciosa menina de uns cinco anos de idade, cujos sapatos mimosos e um belo vestidinho cor-de-rosa com o seu pequeno avental branco denotavam cuidados maternos. A criança parecia pálida e abatida, mas as suas rosadas pernas e braços mostravam que tinha sofrido menos que o seu companheiro.
- Ainda está doendo? – perguntou ele, ansioso, pois ela continuava a esfregar os cachos dourados e crespos que lhe cobriam a nuca.
- Dê um beijo que sara – disse ela, com toda a gravidade, indicando-lhe o lugar dolorido. – É isso que mamãe fazia. Onde está mamãe?
- Sua mãe já foi. Acho que em breve você irá ter com ela.
- Já foi? – disse a menina. – Engraçado, ela não me disse adeus. Ela sempre me dá adeus, até quando vai só para tomar chá com a titia. E agora já faz três dias que ela não vem. Está tudo seco, não? Não há mais água nem nada para comer?
- Não temos nada, minha querida. Tenha um pouquinho de paciência que depois tudo ficará bem. Encoste a cabeça aqui, assim, e não tenha medo. Não é fácil falar com os lábios secos como couro, mas é melhor você saber de tudo. Que é isso?
- Umas coisas bonitas! Muito bonitas! – exclamou a menina entusiasmada, apertando nas mãos dois pedaços cintilantes de mica. – Quando nós voltarmos pra casa, vou dá-las ao meu irmão Bob.
- Daqui a pouco você verá coisas mais bonitas do que essas – disse o homem com segurança. – Espere um momentinho só. Eu ia dizer-lhe que. . . Você se lembra de quando nós partimos do rio?
- Lembro, sim.
- Pois é. Nós pensávamos encontrar outro rio. Mas houve um erro qualquer. . . Na bússola, no mapa, não sei em quê, e o rio não apareceu. A água que trazíamos acabou-se. Ficaram só umas gotas para as crianças como você e . . . e . . .
- E o senhor não podia se lavar – interrompeu gravemente a companheira dele, olhando para o rosto sombrio do homem.
- Não, nem beber também. E Mr. Bender foi o primeiro a partir, e depois o índio Pete, e depois Mr. McGregor, e depois Johnny Hones, e depois, minha querida, a sua mãe.
- Então a mamãe também morreu! – exclamou a menina, escondendo o rosto no avental e começando a soluçar perdidamente.
- Sim, todos, menos eu e você. Então eu pensei que pudesse achar água nesta direção e vim me arrastando com você no ombro. Mas não parece que a nossa situação tenha melhorado. Agora não nos resta mais nada!
- Será que nós também vamos morrer? – perguntou a criança, dominando os soluços e erguendo o rostinho molhado de lágrimas.
- Está me parecendo que sim.
- Ora, porque não me disse antes? – perguntou ela, rindo alegremente. – Você me pregou um susto! Agora, sim, já sei que nós morreremos e vamos para junto de mamãe.
- Sim, você vai, minha querida.
- E você também. Vou dizer a ela que foi muito bom comigo. Garanto que ela nos encontrará na porta do céu com um enorme jarro de água na mão, e uma porção de bolinhos bem quentes, queimadinhos dos dois lados, como eu e Bob gostamos. Falta muito para irmos?
- Não sei . . . não muito.
Os olhos do homem estavam fixos no horizonte ao norte. Na abóboda azul do céu tinham aparecido três pontinhos que aumentavam de tamanho a cada momento, tão rapidamente se aproximavam. Em pouco se revelaram como três grandes pássaros escuros, que voltejaram acima das cabeças dos dois extraviados, e depois se empoleiraram numa rocha próxima. Eram bútios, os abutres do oeste, cujo aparecimento é o prenúncio da morte.
- Olhe as galinhas! – exclamou a menina alegremente, apontando para os vultos de mau agouro, e batendo palmas para os espantar. – Escute, foi deus mesmo que fez este lugar?
- Sim, querida, foi ele – respondeu o homem, um pouco desconcertado por aquela pergunta inesperada.
- Ele fez tudo lá no Illinois, e no Missouri também – continuou a menina – Mas acho que este lugar aqui foi outro que fez. Não está muito bem feito. Esqueceram a água e as árvores.
- Não quer começar a rezar? – perguntou o homem, titubeando.
- Mas ainda não é de noite!
- Não importa. É fora de hora mas ele não repara nisso. Repita as rezas que você dizia todas as noites na carreta, quando estávamos nas campinas.
- Por que não reza junto comigo? – perguntou a criança, arregalando os olhos.
- Não lembro mais – respondeu ele. – Eu não rezo desde o tempo em que era da altura desta arma. Acho que nunca é tarde demais. Vá rezando você que eu repito tudo.
- Então, ajoelhe-se como eu – replicou a menina, estendendo o xale no chão. – Ponha as mãos assim. Faz a gente se sentir bem.
Era um estranho espetáculo . . . se lá houvesse alguém para observá-lo, afora os abutres. Lado a lado, no xale estreito, ajoelhavam-se os dois visitantes, a menina tagarela e o rijo e temerário aventureiro. A carinha rechonchuda e o rosto anguloso e descarnado estavam ambos voltados para o céu sem nuvens, numa sentida prece ao ser temido com o qual se viam face a face, enquanto as duas vozes, uma fina e clara, a outra profunda e áspera, se uniam no mesmo pedido de misericórdia e perdão. Terminada a oração, voltaram a sentar-se à sombra da lapa, e pouco depois a criança adormecia aninhada no largo peito do seu protetor. O homem ficou a velar-lhe o sono por algum tempo, mas a natureza foi mais forte do que ele. Havia três dias e três noites que ele não se dera um único momento de repouso. Lentamente as pálpebras desceram sobre os seus olhos cansados e a cabeça fi tombando para o peito, até que a sua barba grisalha juntou-se às tranças de ouro da sua companheira e ambos caíram no mesmo sono profundo e sem sonhos.

Um estudo em vermelho
(Arthur Conan Doyle)
16042005a

- Acredito – disse eu rindo – que o meu julgamento possa sobreviver às provações. Mas você parece exausto.
- Sim, a reação já está tomando conta de mim. Durante uma semana ficarei feito trapo.
- Estranho – disse eu – como algo que em outro homem eu chamaria de preguiça se alterna com seus ímpetos de energia e vigor.
- Sim – respondeu -, existem em mim traços de um perfeito vagabundo e também de um sujeito muito dinâmico. Muitas vezes penso naquelas linhas do velho Goethe:

“Schade dass, die Natur nut einen Mensch aus Dir schuf,
Den zum würdigen Mann war und zum Schelmen der Stoff”

( “Pena que a natureza tenha criado apenas uma pessoa de você, pois havia material para um homem digno e para um tolo.” )

Aliás, com relação ao caso de Norwood, você vê que eles tinham como supus um aliado dentro da casa, que não podia ser outro que não Lal Rao, o mordomo; assim, na verdade Jones tem a honra incontestável de ter pego um peixe na sua grande rede.
- A partilha parece bastante injusta – comentei, - Você foi quem fez todo o trabalho. Eu ganho uma esposa, Jones ganha o crédito, e diga-me, o que sobra para você?
- Para mim – disse Sherlock Holmes – ainda sobra o frasco de cocaína – E esticou seu longo braço para alcançá-lo.


O signo dos quatro
( Arthur Conan Doyle )

20050415

15042005a

Antes de mentir é melhor medir a boca dos jacarés que cercam o teu castelo.

20050401

01042005a

Nunca chore menos por pensar que podem estar rindo de suas lágrimas..