Pretensões
Tarde sem graça. Tarde abafada depois de uma manhã cinza e chuvosa. O ar-condicionado do carro parece não refrescar, acho que não funciona mais como deveria. Assim como todo o resto, as portas, a ignição... Sento em uma mesa na praça de alimentação de um hipermercado, em uma cidade da Grande Porto Alegre. Descansar um pouco – pensar – colocar uns pensamentos no papel, dar um tempo pro tempo... passar. Na mesa em frente dois moleques de uns treze ou quatorze anos. Rindo, conversando, discutindo coisas que um dia eles vão achar sem importância. As meninas ao redor, manobras de skate, as meninas do bairro, jogos de videogame, as meninas da escola, o novo disco do CPM 22, as meninas da última festa, briguinhas e confusões em geral, meninas e mais meninas lindas que eles nem conhecem ainda e que um dia – após acharem ter conhecido – descobrirão que nada sabiam a respeito de meninas.
Mas ei-los, com sua adolescência. Roupas do tamanho que eles desejariam ser. Cabelos desgrenhados e mal lavados escondidos por sob o boné de algum time americano de basquete ou baseball, o qual eles nunca viram jogar uma partida sequer – e nem se importam com isso. Seus tênis velhos que não querem dar lugar aos novos. O rosto esguio a esperar a barba que nunca vem. Uma garrafa de Coca-Cola e um pacote de biscoito recheado. Menos de quatro Reais por uma refeição a dois, e uma sinceridade que nunca mais vai se fazer presente – e, ainda assim, hoje eles não dão a mínima importância. As sobrancelhas curiosas e olhos ávidos deflagram um pré-niilista que hoje quer saber tudo, amanhã dirá saber tudo e tudo o que lhe for dito ele dirá não acreditar. Mesmo que não saiba nada esse nada lhe parecerá o suficiente por muito tempo.
Esses moleques acham que vão mudar o mundo. Acreditam nas bandas de rock milionárias. Juram que nunca vão casar. Idolatram o Che Guevara tatuado no braço do Maradona e ainda não sabem metade do que dizem saber sobre maconha. Querem ‘comer’ todas as meninas, mas ainda se borram de medo de fazer fiasco por também não saberem nem a metade do que dizem saber sobre sexo. Nunca leram um livro que não fosse imposição da escola e muitas vezes leram apenas o resumo. Mas mesmo com toda a sua impotência, dão risadas e acreditam que são livres... Suas pretensões são ainda muito superficiais, assim como as músicas do último disco do CPM 22. Irreversível.
Mas o tempo se encarrega de tudo aquilo que o homem parece não querer resolver por conta própria. A tarde segue sem graça e talvez fique mais abafada se eu deixar por conta do tempo. Num jogo de dados invisível vão-se avançando algumas casas involuntariamente. Uns a passos largos, outros pelos caminhos errados. Alguns tentando evitar essa evolução e poucos compreendendo o porque, do porque, do porque, das coisas tomarem os rumos que vão tomando – e, talvez, começando a dar alguma importância, mesmo não sabendo ao certo porque. Daqui a dez anos esses moleques serão homens. Homens são meninos com responsabilidades sobre alguém, alguma coisa ou ambos. Nunca existiu idade certa para definir isso, e, cada vez mais jovens, meninos dão lugar para homens. Meninos que vão aprender a deixar de lado os seus skates, guitarras e videogames. Que vão transformar o futebol em uma fuga e uma maneira de aliviar a tensão, nunca mais a diversão prazerosa que um dia foi. Vão ver que o mundo não tem graça. Não só em dias abafados. Nem só no período da tarde, mas o dia todo. Eles vão ter que vestir calças, calçar sapatos, usar cinto e evitar que a camisa saia fora das calças. Cortar os cabelos, aposentar o boné e fazer diariamente a barba que ainda sonham ter. A barriga crescerá na medida que os cabelos forem desaparecendo. A boa saúde se tornará um trunfo de poucos. Os risos serão escassos e perderão em número e intensidade para as dores de cabeça e frustrações. As meninas serão poucas e apenas uma pequena porção destas valerá a pena. E isso, infelizmente, cada um só saberá após ter feito a aposta errada. A vida custará caro. Infinitamente mais caro do que esses quatro Reais que hoje um deles não se importa em desembolsar por este momento sincero e, talvez, de importância estritamente imediata que ficará eternamente esquecido assim como as bandas de rock brasileiras que surgiram nos anos 90. E quando finalmente tiverem o dobro da idade que têm hoje, e depois, e depois, e depois, estes então homens vão querer seus quatorze anos novamente. Vão querer saber o que sabem sem precisar pagar o preço que pagaram por esse conhecimento. Vão querer, talvez até, saber muito menos do que sabiam com quatorze anos. Desejarão arduamente se preocupar com bobagens e meninas lindas que talvez nunca conhecerão. Tomar uma Coca-Cola quase sem gás e comer biscoitos recheados de quinta categoria, sem a pretensão do CPM 22...
O maior castigo para um homem que tem sonhos é o tempo. Sonhos são bebês que carregamos dentro da cabeça, por meros segundos ou infinitos meses, e, quando eles crescem, nós lutamos desesperadamente para crescer junto. Mas quando crescemos, precisamos escolher entre eles ou a triste realidade injustamente imposta por homens que um dia já sonharam e, muito antes, já foram meninos com seus quatorze anos e inúmeras pretensões. E a maioria de nós tem de deixar os sonhos para trás, abandoná-los em lixeiras ou doá-los a alguém com melhores condições de cuidar. Assim como, diariamente, algumas dessas meninas lindas fazem com seus bebês. Mesmo que meninos de quatorze anos não se importem e homens responsáveis não façam nada a respeito, por terem outros problemas mais importantes nas tardes da sua vida abafada e sem graça.
Tarde sem graça. Tarde abafada depois de uma manhã cinza e chuvosa. O ar-condicionado do carro parece não refrescar, acho que não funciona mais como deveria. Assim como todo o resto, as portas, a ignição... Sento em uma mesa na praça de alimentação de um hipermercado, em uma cidade da Grande Porto Alegre. Descansar um pouco – pensar – colocar uns pensamentos no papel, dar um tempo pro tempo... passar. Na mesa em frente dois moleques de uns treze ou quatorze anos. Rindo, conversando, discutindo coisas que um dia eles vão achar sem importância. As meninas ao redor, manobras de skate, as meninas do bairro, jogos de videogame, as meninas da escola, o novo disco do CPM 22, as meninas da última festa, briguinhas e confusões em geral, meninas e mais meninas lindas que eles nem conhecem ainda e que um dia – após acharem ter conhecido – descobrirão que nada sabiam a respeito de meninas.
Mas ei-los, com sua adolescência. Roupas do tamanho que eles desejariam ser. Cabelos desgrenhados e mal lavados escondidos por sob o boné de algum time americano de basquete ou baseball, o qual eles nunca viram jogar uma partida sequer – e nem se importam com isso. Seus tênis velhos que não querem dar lugar aos novos. O rosto esguio a esperar a barba que nunca vem. Uma garrafa de Coca-Cola e um pacote de biscoito recheado. Menos de quatro Reais por uma refeição a dois, e uma sinceridade que nunca mais vai se fazer presente – e, ainda assim, hoje eles não dão a mínima importância. As sobrancelhas curiosas e olhos ávidos deflagram um pré-niilista que hoje quer saber tudo, amanhã dirá saber tudo e tudo o que lhe for dito ele dirá não acreditar. Mesmo que não saiba nada esse nada lhe parecerá o suficiente por muito tempo.
Esses moleques acham que vão mudar o mundo. Acreditam nas bandas de rock milionárias. Juram que nunca vão casar. Idolatram o Che Guevara tatuado no braço do Maradona e ainda não sabem metade do que dizem saber sobre maconha. Querem ‘comer’ todas as meninas, mas ainda se borram de medo de fazer fiasco por também não saberem nem a metade do que dizem saber sobre sexo. Nunca leram um livro que não fosse imposição da escola e muitas vezes leram apenas o resumo. Mas mesmo com toda a sua impotência, dão risadas e acreditam que são livres... Suas pretensões são ainda muito superficiais, assim como as músicas do último disco do CPM 22. Irreversível.
Mas o tempo se encarrega de tudo aquilo que o homem parece não querer resolver por conta própria. A tarde segue sem graça e talvez fique mais abafada se eu deixar por conta do tempo. Num jogo de dados invisível vão-se avançando algumas casas involuntariamente. Uns a passos largos, outros pelos caminhos errados. Alguns tentando evitar essa evolução e poucos compreendendo o porque, do porque, do porque, das coisas tomarem os rumos que vão tomando – e, talvez, começando a dar alguma importância, mesmo não sabendo ao certo porque. Daqui a dez anos esses moleques serão homens. Homens são meninos com responsabilidades sobre alguém, alguma coisa ou ambos. Nunca existiu idade certa para definir isso, e, cada vez mais jovens, meninos dão lugar para homens. Meninos que vão aprender a deixar de lado os seus skates, guitarras e videogames. Que vão transformar o futebol em uma fuga e uma maneira de aliviar a tensão, nunca mais a diversão prazerosa que um dia foi. Vão ver que o mundo não tem graça. Não só em dias abafados. Nem só no período da tarde, mas o dia todo. Eles vão ter que vestir calças, calçar sapatos, usar cinto e evitar que a camisa saia fora das calças. Cortar os cabelos, aposentar o boné e fazer diariamente a barba que ainda sonham ter. A barriga crescerá na medida que os cabelos forem desaparecendo. A boa saúde se tornará um trunfo de poucos. Os risos serão escassos e perderão em número e intensidade para as dores de cabeça e frustrações. As meninas serão poucas e apenas uma pequena porção destas valerá a pena. E isso, infelizmente, cada um só saberá após ter feito a aposta errada. A vida custará caro. Infinitamente mais caro do que esses quatro Reais que hoje um deles não se importa em desembolsar por este momento sincero e, talvez, de importância estritamente imediata que ficará eternamente esquecido assim como as bandas de rock brasileiras que surgiram nos anos 90. E quando finalmente tiverem o dobro da idade que têm hoje, e depois, e depois, e depois, estes então homens vão querer seus quatorze anos novamente. Vão querer saber o que sabem sem precisar pagar o preço que pagaram por esse conhecimento. Vão querer, talvez até, saber muito menos do que sabiam com quatorze anos. Desejarão arduamente se preocupar com bobagens e meninas lindas que talvez nunca conhecerão. Tomar uma Coca-Cola quase sem gás e comer biscoitos recheados de quinta categoria, sem a pretensão do CPM 22...
O maior castigo para um homem que tem sonhos é o tempo. Sonhos são bebês que carregamos dentro da cabeça, por meros segundos ou infinitos meses, e, quando eles crescem, nós lutamos desesperadamente para crescer junto. Mas quando crescemos, precisamos escolher entre eles ou a triste realidade injustamente imposta por homens que um dia já sonharam e, muito antes, já foram meninos com seus quatorze anos e inúmeras pretensões. E a maioria de nós tem de deixar os sonhos para trás, abandoná-los em lixeiras ou doá-los a alguém com melhores condições de cuidar. Assim como, diariamente, algumas dessas meninas lindas fazem com seus bebês. Mesmo que meninos de quatorze anos não se importem e homens responsáveis não façam nada a respeito, por terem outros problemas mais importantes nas tardes da sua vida abafada e sem graça.
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